quarta-feira, 19 de junho de 2013

Exoneração de gerente geral da Anvisa está ligada à pressão por diminuição no controle dos agrotóxicos no Brasil

Entenda os interesses que existem por trás da demissão do engenheiro agrônomo, gerente geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGTOX/Anvisa), Luiz Cláudio Meirelles, que estaria ‘atrapalhando’ o uso de agrotóxicos na lavoura embora sejam utilizadas toneladas de venenos pesados, anualmente nas lavouras do Mato Grosso! Qual o reflexo disto na Saúde Pública? Basta analisar as centenas de novos casos anuais de câncer, por exemplo... Beatriz Antonieta Lopes

Veneno que ameaça a regulação

Adriano De Lavor

Em 14 de novembro de 2012, o gerente geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGTOX/Anvisa), Luiz Cláudio Meirelles, foi exonerado da função e, logo após o ocorrido, fez circular na internet uma carta com um alerta: sua demissão estaria relacionada a uma “tentativa de desregulamentação do controle de agrotóxicos no Brasil”, cujo objetivo seria retirar a competência de regulação do setor Saúde — ou pelo menos flexibilizar sua atuação. “Minha maior preocupação é vigiar para que não tenhamos uma norma bem ruim, com critérios científicos que não protejam a saúde”, declarou dias depois, em palestra no 10º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco, em Porto Alegre. “Precisamos repudiar esta flexibilização também na área da fiscalização”, orientou.

Luiz Cláudio: "flexibilização da normatização e da fiscalização de produtos representa um risco à saúde pública"

A decisão repercutiu entre entidades que lutam contra os riscos dos agrotóxicos à saúde. Uma moção contra irregularidades nos procedimentos de regulação de agrotóxicos foi publicada no site da Abrasco. A entidade afirma que o episódio sinaliza para as dificuldades do exercício da defesa da saúde pública no contexto de pressão realizada pelos interesses corporativos e econômicos sobre o aparelho de estado, “que retira do país seu papel de valorização da saúde, da segurança, soberania nutricional e ambiental no campo da regulação dos agrotóxicos”. O texto aponta que a exoneração do pesquisador “visa favorecer os interesses da indústria de produtores de agroquímicos, em detrimento da proteção da saúde das populações”. 
Em comunicado oficial, a Fiocruz manifestou sua solidariedade com o pesquisador e reafirmou seu compromisso em manter iniciativas de pesquisa, ensino, desenvolvimento tecnológico e cooperação, “reafirmando nossa missão institucional no Sistema Único de Saúde e, em especial, no fortalecimento do papel do setor Saúde nas ações de controle dos agrotóxicos no Brasil”. Na nota, a fundação reforça sua participação na campanha contra “os riscos gerados pelo uso abusivo de agrotóxicos no país, com suas consequências para a saúde e o ambiente”, bem como alerta para o contexto de alto consumo no país: “Ainda convivemos com um marco regulatório com deficiências, estruturas de fiscalização que apresentam precariedades e necessidade de maior suporte para a realização de pesquisas e formação de pessoas”, diz o texto.
Na carta que fez circular em sua defesa, o engenheiro agrônomo listou razões que sustentam sua precaução. Em primeiro lugar, citou o Projeto de Lei 6299, de 2002, de autoria do senador Blairo Maggi (PR), ex-governador do Mato Grosso e considerado o maior produtor individual de soja do mundo. O texto estava em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara Federal, até dezembro de 2012, e prevê a retirada de competências da Anvisa e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nas avaliações de agrotóxicos.
Luiz Cláudio também alertou para o risco que representa a articulação em torno da criação da Agência Nacional de Agroquímicos e Fitossanitários Orgânicos, que estaria esbarrando “na resistência de técnicos da Anvisa”. De autoria do deputado Antonio Balhmann (PSB-CE), a indicação para a criação dessa agência (INC 2707/2012), disponível no site da Câmara Federal, sustenta-se no entendimento de que a “análise fracionada” de agrotóxicos e produtos afins pelas três instituições governamentais — Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) — resulta em “extensa burocracia”, lenta e dispendiosa para o governo e empresas interessadas, e expõe o processo de registro e controle dos produtos a “extremismos ideológicos e interferências indevidas”. Já a nova agência, alega o deputado, contribuiria para “estimular a concorrência no setor” e “para maior efetividade das análises”.
Perda para o país
De volta às atividades no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz), de onde foi cedido para a Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles declarou à Radis que a criação da nova agência representaria uma perda enorme para o país, já que seu objetivo é retirar do âmbito da Saúde e do Meio Ambiente o poder decisório sobre as questões relacionadas aos riscos do uso de agrotóxicos para a saúde humana. Ele considerou que seu afastamento do cargo interessaria a vários setores. “É grande a pressão para que os critérios de avaliação toxicológica fiquem mais flexíveis”, alertou. A pressão de parlamentares ligados aos produtores de agrotóxicos e os procedimentos judiciais são os expedientes mais utilizados, disse, reforçando, no entanto, a capacidade da GGTOX para tocar o trabalho. 
Ainda na carta divulgada em novembro, Luiz Cláudio teceu críticas às “tentativas de desqualificação” da Consulta Pública 02, de 2011, que estabelece que os critérios científicos de avaliação e classificação toxicológica dos agrotóxicos devem ser atualizados. Ele denunciou “tentativas permanentes” de impedimento da reavaliação de produtos ou de reversão de decisões já adotadas, em “constantes pressões políticas e demandas judiciais”, que inviabilizariam o trabalho da gerência que coordenava.
“A Anvisa precisa ser cobrada”, conclamou o pesquisador na sessão em que recebeu apoio da comunidade acadêmica em Porto Alegre, durante o Abrascão. Ele observou que, infelizmente, a agência é muito mais contatada pelas empresas — e pelos parlamentares que as defendem — do que pela sociedade civil. “Está na hora de nos aproximarmos mais”, defendeu, advertindo que, com as pressões que a Anvisa vem enfrentando, é possível que se afaste cada vez mais de sua missão institucional de controle dos agrotóxicos. 

Luiz Cláudio destacou que a equipe que permanece na GGTOX é altamente qualificada, mas por lidar com um setor tão “conflitivo”, precisa do apoio continuado daqueles preocupados com os agrotóxicos, fundamental para que possam manter sua autonomia técnica e liberdade para adoção das ações de controle.

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