sexta-feira, 27 de agosto de 2010

DENGUE É APENAS A PONTA DO ICEBERG

Este artigo do doutor Marcos Vilela de M. Monteiro retrata a realidade do des-controle de vetores e o des-conhecimento de quem está frente às ações de Vigilância Epidemiológica, controle vetorial, no MINISTÉRIO DA SAÚDE! Bia Lopes

A declaração do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no início de maio, de que o Brasil perdeu a guerra contra a dengue e que agora terá que conviver com a epidemia da doença por "muitos e muitos anos", nos leva à reflexão sobre a gravidade da situação. Não pretendemos ser alarmistas, mas queremos entender a lógica dos governantes diante do quadro epidêmico que, sabemos, pode ser combatido em algumas semanas.







A impressão que o governo passa é a de que a batalha foi perdida. A epidemia chegou, conquistou seu território e ali fincou sua bandeira, deixando mortos e feridos.






E o mais grave: o vírus do tipo 4, ainda mais letal do que os três que já dominaram quase 4 mil cidades do território brasileiro, está prestes a desembarcar no Brasil, vindo da vizinha Venezuela. Além desse tipo de vírus, contra o qual a população brasileira não tem imunidade, há pelo menos outras sete doenças infecto-contagiosas nas Américas também transmitidas por mosquitos.






É apenas uma questão de tempo para que elas se instalem no nosso país de forma epidêmica, como vem acontecendo com a dengue há mais de 14 anos. Há motivos de sobra para preocupação. Se não estamos dando conta de uma doença, dá para imaginar o que pode acontecer com a chegada de novos vírus.






Uma dessas novas ameaças é causada pelo Vírus do Nilo Oriental (WNV). É pouco conhecido, mas tão temível e preocupante quanto a dengue, porque também é transmitido por mosquitos adultos infectados. Ao serem picadas, as pessoas apresentam febre alta, dores de cabeça e torcicolo. A doença também pode levar à morte. Não é sem motivo que quando os primeiros casos foram detectados em Nova York, em 1999, os americanos pulverizaram com aviões e helicópteros toda a cidade e seus arredores em três aplicações semanais e consecutivas.






Eu pergunto: seria um exagero? E os americanos são irresponsáveis por aplicarem inseticidas em larga escala em áreas urbanas sem respeitar suas vespas, abelhas e borboletas? Não, porque o governo norte-americano priorizou vidas humanas. Em 2002, o WNV era encontrado em 44 estados norte-americanos e cinco províncias canadenses. Enquanto a dengue é transmitida por duas espécies de mosquitos do gênero Aedes, o WNV é transmitido por 43 espécies de mosquitos, grande parte delas encontrada no Brasil.






Vamos comparar as estatísticas oficiais da atual epidemia de dengue no Rio de Janeiro, que indicam para uma população de 120 mil pessoas contaminadas e mais de 100 mortes confirmadas, ou seja, aproximadamente um óbito em cada mil doentes. Em Nova York, em 1999, a epidemia do WNV contaminou 62 pessoas, sete das quais faleceram. Em 2001, com a doença já presente em 10 estados, de 66 pessoas contaminadas 10 faleceram. Isso nos leva ao alarmante índice de mortalidade de 13,28%, ou seja, em cada oito pessoas contaminadas pelo WNV uma faleceu.






Se a epidemia que ocorre atualmente no Rio de Janeiro fosse do WNV - o que é perfeitamente possível devido ao grande número de passageiros que desembarca no Brasil diariamente vindo daquele país, onde a presença do WNV é endêmica - estaríamos diante de uma catástrofe, com mais de 13 mil casos de morte. E não haveria remédio, uma vez que a única alternativa técnica para o controle de epidemias humanas em grandes extensões urbanas é o combate aéreo dos vetores.






Porém, a aplicação aérea dos inseticidas em áreas urbanas não é realizada há mais de 33 anos no Brasil porque o Ministério da Saúde não a recomenda. Essa tecnologia foi definitivamente engessada na Norma Técnica 75, de 14/6/2007. O parágrafo 12 diz: "O uso das aplicações aéreas somente se justifica em situações muito específicas como em graves surtos de dengue com elevação dos episódios de febre hemorrágica do dengue ou no caso de ocorrência de febre amarela urbana". Por mais incrível que pareça, o Parágrafo 15 da mesma Norma reza: "Pelo acima exposto opinamos que não se deve adotar tal modalidade de aplicação mesmo sob o argumento de que poderia ser mais um instrumento que poderíamos utilizar em caso de emergência".






Esse parágrafo, que nada tem a ver com o exposto nos 14 anteriores, é o responsável por grande parte das mortes oriundas das epidemias recentes, além dos sofrimentos impostos a centenas de milhares de brasileiros por uma decisão técnica insustentável.






Com essa postura por parte das altas autoridades sanitárias do país, jamais teremos condições de controlar epidemias, sejam elas de dengue, febre amarela, malária, ou de WNV, caso ela venha a se manifestar no Brasil. Enquanto isso, continuamos estarrecidos diante desse imenso iceberg. A epidemia de dengue é apenas uma ponta.[14]






*Marcos Vilela de M. Monteiro é engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia pela ESALQ-USP e piloto agrícola. Tem experiência internacional de 48 anos em pesquisa, treinamento e operação em aviação agrícola. bioaeronautica@terra.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

Eu sugiro também a leitura deste meu artigo:


"A dengue e as capivaras postas no alto de árvores"
Publicada em 31/03/2008 às 15h02m
Por Beatriz Antonieta Lopes
Este artigo explica claramente os absurdos que acompanhamos na área de Saúde Pública!!!!